Sanguessuga: emendas parlamentares e o esquema das ambulâncias

Tempo de leitura: 4 minutos

Série Emendas ao Orçamento Federal

Episódio 2 – O Caso Sanguessuga

A Operação Sanguessuga foi deflagrada pela Polícia Federal em maio de 2006, mas as fraudes já vinham ocorrendo pelo menos desde 1998. O núcleo do esquema era a empresa Planam, que, em articulação com lobistas e parlamentares, negociava a liberação de emendas individuais ao orçamento da saúde.

Essas emendas eram direcionadas a municípios específicos, via transferências voluntárias (convênios), que depois realizavam licitações fraudulentas para a compra de ambulâncias e UTIs móveis. O processo era manipulado com empresas de fachada, preços superfaturados em até 120% e direcionamento de contratos. Estima-se que mais de mil ambulâncias foram adquiridas de forma irregular, com movimentação de cerca de R$ 110 milhões

Origem do esquema

Segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPMI das Ambulâncias, criada pelo Requerimento 77/2006-CN, o ciclo de corrupção começava e terminava nos municípios. Era nas prefeituras que a empresa Planam, encontrava terreno fértil para operar. Durante oito anos, o esquema se espalhou por mais de 600 prefeituras, distribuídas em 24 estados do país (Relatório CPMI, p. 585).

As emendas parlamentares como combustível

A CPMI deixou claro que a operação girava em torno das transferências voluntárias derivadas de emendas parlamentares (Relatório CPMI, p. 930). Mas havia um problema estrutural: o SIAFI, sistema que registra a execução orçamentária, não permitia vincular com clareza cada gasto à emenda que o originou. Isso comprometia a transparência e dificultava a quantificação exata dos valores desviados (Relatório CPMI, p. 932).

Um estudo do TCU revelou que, entre 2000 e 2005, foram firmados 6.639 convênios relativos à aquisição de ambulâncias e unidades móveis de saúde (Relatório CPMI, p. 932).

Fragilidade nos municípios

Grande parte das prefeituras envolvidas eram de pequeno porte, sem suporte técnico para lidar com as exigências legais. Isso abriu espaço para a atuação de “consultorias” que, na prática, funcionavam como operadores da fraude (Relatório CPMI, p. 940).

O papel dos órgãos de controle

Tribunal de Contas da União – TCU
  • Desde 1996 vinha apontando falhas no modelo de convênios (TC 007.400/1996-9, Relatório CPMI, p. 958).
  • Em 2002, inspeção em 30 prefeituras de Minas Gerais (TC 003.777/2002-6), encontrou fraude em licitações em 76,7% dos municípios (Relatório CPMI, p. 959).
  • Em 2005, o TCU realizou Fiscalização de Orientação Centralizada em convênios e contratos de repasse oriundos de emendas parlamentares, firmados com 21 prefeituras (TC 018.879/2005-5). Foram constatadas irregularidades como fraude e direcionamentos em licitações, pagamentos antecipados de execução de obras sem a correspondente prestação de serviços, fiscalização de convênios insatisfatória ou não realizada (Relatório CPMI, p.963).
Controladoria Geral da União – CGU
  • Conforme a Nota Técnica 600/2002, identificou-se que em 23.857 convênios, somando cerca de R$ 7 bilhões, não havia aprovação de prestação de contas (Relatório CPMI, p. 968-970).
  • A partir de 2003, a CGU consolidou relatórios de auditorias realizadas por meio de sorteios de municípios e os encaminhou à CPMI. O desvendamento do esquema de corrupção em âmbito nacional teve como base 119 relatórios elaborados pela CGU (Relatório da CPMI, p. 970).
Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS
  • Apesar de existir o Sistema Nacional de Auditoria do SUS, criado pela Lei 8.699/1993, a ausência de carreira estruturada de auditores fragilizava as fiscalizações na saúde (Relatório da CPMI, p. 974).
  • A CPMI recomendou fortalecer o Denasus e subordiná-lo diretamente ao Ministro da Saúde, além de cumprir determinações do TCU, a exemplo do Acórdão 1.843/2003-TCU-Plenário (Relatório da CPMI, p. 974).

Conclusão da CPMI

O relatório final apontou que o modelo de convênios baseado em emendas parlamentares era estruturalmente frágil e vulnerável a ilícitos (Relatório da CPMI, p. 971). Ou seja, não se tratava apenas de um esquema isolado, mas da repetição de problemas já identificados em auditorias anteriores do TCU e CGU.

Em resumo:

  • As emendas parlamentares foram o veículo orçamentário da fraude.
  • A falta de controles sistêmicos (SIAFI, convênios, auditorias) criou o ambiente propício.
  • O caso mostrou a necessidade de fortalecer os órgãos de controle e repensar o papel das emendas no orçamento público.

O caso das Sanguessugas mostrou como as emendas individuais podiam ser capturadas por empresas e prefeituras em fraudes milionárias. Mas a história das emendas não parou por aí.

Anos depois, novos mecanismos trouxeram ainda mais polêmica: as emendas de relator, código RP9, que ficaram conhecidas como Orçamento Secreto e as emendas individuais – transferências especiais, que ficaram conhecidas como Emendas Pix.

No próximo episódio, vamos entender como o Orçamento Secreto concentrou bilhões de reais sob controle de poucos parlamentares, sem transparência sobre quem indicava os recursos e para onde eles iam.

Renato Santos Chaves

Curso Auditoria Governamental e Controles no Setor Público

Curso Online